PASSAR E PERMANECER


Se prestarmos atenção, passar é fácil. Permanecer é que é difícil. Passar é comum, não cria raízes, é egoísta e fugaz. Permanecer não é nada trivial, estabelece ligações, é altruísta e perene. Há quem prefira passar e há quem prefira permanecer.


Passar é mais cômodo e exige menos esforço. Passar é um refúgio disfarçado de liberdade. Permanecer é mais árduo e exige empenho e determinação. Permanecer tem sua dose de sofrimento e abandono de si, necessita de escolhas bem refletidas. Passar é casual. Permanecer é propósito.

As tempestades e os temporais chegam, alteram a ordem anterior, soam em trovões, cortam os céus com relâmpagos, fecundam a terra e passam. O sol que está acima das nuvens, que espera o seu momento, permanece. Os carros passam ora ansiosos, ora vagarosos, vão e vêem anunciando sua presença no rugir dos motores. A estrada que guarda silenciosa em si o destino, permanece.

As palavras que tentam conter a essência, faladas ao sabor do vento ou escritas no frágil papel, passam. Os sentimentos, guardados no baú do nosso interior, permanecem. Os casamentos passam. Modelos que começam e esgotam-se porque não mudam. Já os relacionamentos permanecem. Vínculos criados na vivência. A paixão, volúvel e inconstante, passa. Não é uma boa guia. Deixa-nos sempre com sede. O amor permanece.

A aula tem hora para começar e terminar. Passa. A lição é atemporal e permanece. As ditaduras passam, as eleições e os governos também. A democracia insiste, resiste e permanece. Os candidatos passam. Os estadistas permanecem.

No fundo, os erros que cometemos atrapalham mas passam. Os acertos que incorremos é que permanecem. Os filmes, belas imagens e trilhas sonoras, emocionam e passam. A história, nem sempre boa nem sempre má, permanece. Os maus atos por mais dolorosos e absurdos que sejam, passam. A vida passa. As boas obras e o que fizemos da nossa vida, isso sim, permanece.

Na verdade, aquilo que passa nos distrai. Leva a nossa atenção consigo e por tanto passar, nos dá a falsa impressão de realidade. O que permanece nos ensina, nos desafia e nos alavanca para o melhor. Por não ser tão repetitivo, parece até que é pouco e por isso temos dificuldade para ver.

Quando só olhamos as ondas quebrando na praia, indo e vindo incansavelmente, nem nos damos conta do imenso oceano que nos espreita. Porque, dentro do que passa, sempre está o que permanece.

Tibério Rocha Júnior
Publicado originalmente no jornal Gazeta de Alagoas

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

PROBLEMAS SISTÊMICOS PEDEM SOLUÇÕES ESTRUTURADAS

O QUE É A PATOCRACIA

QUEM CARREGA O PIANO ?