BERNARDO E OS SONHOS



Bernardo não era o que se podia chamar de sonhador. Pelo contrário, ele era até bem prático. Mas ele não parava de sonhar. Sonhava todas as noites de todas as formas. Sonhava colorido, sonhava preto-e-branco, sonhava com fundo musical, sonhava cinema-mudo, sonhava até seriado. Numa noite ele sonhava o começo e na outra o desenrolar do sonho. Isso era muito interessante. De tanto sonhar, ele já estava acostumado e ia se deitar esperando pelo sonho da noite. Toda a sua infância assim se passou.

Entrando na juventude, Bernardo sentiu uma grande mudança em seus sonhos. Ele observou que quando ia ao barbeiro e de lá voltava com o cabelo bem curtinho no estilo militar, não sonhava. E não foi da primeira vez que ele concluiu não. Ele testou várias vezes antes de chegar ao veredicto final. Num sábado de tarde, ele enterrou a cabeça no travesseiro debaixo da cama e dormiu sem que ninguém o incomodasse. Não sonhou. Num outro dia, ficou acordado até as 3:00h da madrugada tomando meio litro de café. Não teve jeito. Não sonhou nadinha. Pensou até em tomar os comprimidos coloridos que a sua mãe tomava para dormir mas desistiu. Tomou outra atitude. Marcou no relógio e dormiu o mais que pôde. Quando acordava logo fechava os olhos e voltava a dormir. Nada feito. Ficou tudo escuro. Bernardo concluiu definitivamente que quando cortava os cabelos parava de sonhar.

Foi muito difícil fazer os pais entenderem aquela estranha dedução. Não foi por falta de tentativa. Bem que ele tentou. Foram horas de discussões inúteis com direito a audiência da vizinhança que não perdia uma capítulo sequer. Os seus pais não entendiam aquilo que parecia ser essencial para Bernardo. Ele foi criança sonhando, foi adolescente sonhando e chegara até ali sonhando, como poderia parar de sonhar por causa de um simples corte de cabelo ? Os amigos e amigas de Bernardo não tiveram a mesma dificuldade de entender aquelas afirmações. Na verdade alguns deles até achavam que estava acontecendo a mesma coisa com eles ! Pronto. A confusão estava formada. Bernardo não cortava mais o cabelo e também não fazia mais a barba. Seus Pais não aceitavam aquele novo visual do filho tão pouco civilizado. Bernardo não aceitava aquela imposição dos Pais tão pouco civilizada. Bernardo saiu de casa.

Tamanha foi a surpresa de Bernardo ao encontrar outros jovens nas ruas na mesma situação. Então, animados com essa justificação coletiva, passaram também a não tomar banho e não trocar de roupa, algo repugnante que a mamãe obrigava a fazer estragando o melhor da brincadeira. E que brincadeira. Bernardo e seus companheiros e companheiras, foram brincar de casinha morando em grupos em fazendas e sítios afastados das cidades. Também ficavam nas praças e calçadas. E brincavam muito de casinha. Quando não gostavam da brincadeira ou simplesmente quando gostavam só de brincar, eles trocavam de esposa e começavam tudo de novo. Nessa brincadeira nasceu até gente. Lembrando das palmadas da infância, eles somente falavam de Paz. Mesmo que entre eles acontecesse de vez em quando uns bofetes. Por isso, eles marcaram sua filosofia com “Paz e Amor”, levantando os dois dedos da mão. As flores enfeitavam as cabeças.

O movimento de Bernardo se espalhou e agora ganhava o mundo. Bandas de música se inspiravam e artistas criavam símbolos. Era um movimento bonito e de muito valor. Mas um dia, Bernardo descobriu que também podia sonhar de cabelos curtos, barba feita e roupas limpas. E contou aos companheiros que contaram aos outros que contaram aos outros. O resto todos nós já sabemos.

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