A REDE





Uma das coisas mais salientes desde que começaram os protestos nas cidades brasileiras, é a dificuldade de compreensão que as autoridades municipais, estaduais e federais demonstram em relação a este fato histórico. E sem compreender com o que estão lidando, não sabem o que fazer.  É verdade que essa paralisia aparente pode ser fruto de uma tática de enfraquecimento do movimento, do tipo "vamos esperar a chuva passar, eles não vão ficar na rua a vida inteira". Mas também é verdade que eles podem desconhecer completamente natureza do que estão enfrentando. A ausência de pronunciamentos e o conteúdo dos poucos que dispomos, são sinais importantes de que isso pode realmente estar acontecendo.
 
Os cargos das autoridades brasileiras, são em grande parte preenchidos por políticos. E eles foram forjados numa cultura de séculos passados, embasada no que podemos chamar de rito da assembleia. Nele um orador ou líder é quem fala ou dirige o grupo, acumulando poder por causa disso. São pessoas que usam as suas características de simpatia, seu carisma e sua desenvoltura social, suas competências de negociação e comunicação para muitas vezes exercer uma liderança messiânica. Não é raro se desviarem de suas bases, seus compromissos assumidos e dos ideais que os levaram a esta condição, para juntamente com outros na mesma condição firmarem vínculos e favores, formando uma espécie de elite de agraciados. O grupo liderado, muitas vezes serve de massa de manobra, um tipo de capital político, o que não o livra de ser manipulado e de decepções frequentes. O sistema representativo tradicional baseia-se neste modelo e dá sinais de crise em vários locais do mundo. Muito do seu poder, se dá pelo monopólio da informação que é segregada, muitas vezes sonegada, utilizada para manter e obter privilégios. Este modelo produz "salvadores da pátria" que nem sempre assim o fazem e gera uma espécie dependência dos mesmos. O grupo muitas vezes os solicita, imaginando serem pessoas especiais ou mesmo ungidas para tal, numa construção psicológica muito antiga e que se propagou no Estado, nas igrejas e em muitas outras organizações humanas que perduram até hoje. Os grupos liderados passam a assumir o perfil do líder, seguem os seus ditames e muitas vezes se esfacelam depois do seu fim, seja ele qual for. Os meios de comunicação e interação neste formato, são o papel e o debate. As autoridades brasileiras emergiram deste modelo.

No entanto, o modelo que gerou as manifestações que estão ocorrendo atualmente no Brasil é completamente diferente.  Ele foi formado por conceitos e ferramentas bastante distintas e que estão em constante desenvolvimento, pois são do tempo presente sobre o qual não temos referencias completas e acabadas para nos debruçar. É verdade que alguns autores como Alvim Toffler e Manuel Castells nos ajudam a iniciar neste caminho, porém já estão em muitos pontos defasados diante da velocidade com que os fatos hoje acontecem e das novidades incorporadas. O que está no olho do furacão destas manifestações que invadiram as ruas de todo Brasil de norte a sul, na verdade é um modelo em rede, cuja sua principal ferramenta é a internet. Nele, a liderança é circunstancial não baseada nas pessoas e suas características, e sim nas ideias e nas informações. Se alguém lança uma proposta que não conta com a aderência do grupo, ela simplesmente não consegue evoluir. Se tem, ela se propaga de forma viral. Ganha impulso próprio sem que consigamos prever o seu desdobramento. Não existem portanto, líderes que possam engessar esse processo nem representa-los por muito tempo. Um sai de cena, entram outros no lugar. A rede não tem rostos a não ser que ele a represente. Quem lidera e controla a internet, o Facebook, o Twiter ? Ninguém. Todos são agentes que os compõem e não há uma hierarquia. Há preferências. Na rede as pessoas emitem suas opiniões e votam o tempo inteiro, participando da sua formação. Até o governo americano, que é a instituição mais poderosa do mundo, também exerce esse papel de coadjuvante. As redes são essencialmente democráticas. Elas se formam em torno de benefícios e conveniências que atendem necessidades de seus integrantes. Depois disso, evoluem com geração espontânea de conteúdos, para o qual qualquer organização de marketing por mais cara e competente que seja, é incapaz de fazer frente. O volume de informação produzido na internet já é maior do que todas as bibliotecas juntas que já existiram na história da humanidade. Essa informação vem das fontes não virtuais, mas a partir do momento que ingressam nela, elas se desenvolvem e evoluem porque recebem complementos, numa construção coletiva de conhecimento. Também há poucas possibilidades de controle. A rede mesmo é quem se regula, seguindo a tendência central ponderada das opiniões das pessoas que dela fazem parte. Velocidade é outra característica que a difere dos modelos tradicionais e antigos. Como é autônoma e livre, é muito rápida nas suas mudanças, articulações e até imprevisível, pois funciona em função da vontade e não da obrigação. A comunicação não é somente vertical ou horizontal. É multidirecional. Vem a vai para todos os lados. Todos são emissores e receptores e a mensagem é fruto do consenso reiterado por tentativas insistentes. Um dos seus fundamentos é a quantidade. A rede requer volume. Ela o faz e se alimenta dele. Somente com ele é justificada, pois o volume produz a diversidade, e a diversidade gera a atratividade e a riqueza que ela significa para seus integrantes. A rede está sempre presente na vida deles, que a ela recorrem para consultar, aprender, informar, interagir, ensinar, mobilizar, se divertir, se relacionar, e porque não, evoluir.
 

O modelo de rede não veio da internet. Ele foi colocado lá e lá pode ser materializado. Ele vem das formas de organização humana, sendo uma das mais avançadas. Isso não foi feito por uma só pessoa, como somos acostumados a pensar. Foi feito por várias em vários momentos. Foi feito por uma outra rede. Ele vem sendo construído através da história da humanidade pelos tempos, e quando encontra condições propícias e ferramentas adequadas, emerge para a nossa percepção.  A internet é apenas mais uma ferramenta que de tão poderosa, o elevou de vez nas nossas vidas. Nas ruas, os manifestantes refletem o mundo virtual, com os complicadores próprios da realidade. Mas a realidade é influenciada pelo mundo virtual, numa espécie de dinâmica do espelho. Os integrantes da rede são mais focais, mais rápidos nas decisões e suas emoções estão mais descoladas do intelecto. Têm aversão às coisas complexas. Querem a simplicidade e a eficácia. Enquanto os antigos possuem um raciocínio linear, com começo, meio e fim, e uma trilha definida, eles são difusos sem contudo ser dispersos. Antigos enxergam problemas. Eles enxergam soluções. Pensam e fazem várias coisas ao mesmo tempo. E transitam nisso de maneira muito rápida, sem amarras, sem culpa e sem medo. Estão mais preocupados com o resultado final e participam diretamente dele, sem representantes ou intermediários. As vezes são impacientes, as vezes são destemidos. Quando há uma confluência de intenções e percepções, de desejos e pensamentos, a rede torna-se bastante poderosa, como se entrasse em um nível acima do que normalmente opera. A rede é um fenômeno irreversível. Ela está no mundo, veio para ficar e pode nos trazer muitos benefícios, além destas manifestações. Pode gerar um efeito em cadeia, ativando as organizações constituídas para funcionarem e cobrarem do governo mais resultados. Podem aperfeiçoar a democracia, tornando a participação do povo cada vez mais direta. Prepara-se para uma nova era. A rede saiu das telas e foi para as ruas. A rede chegou.

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