O SUPERMERCADO DO SEU SEVERINO

 

O “Seu” Severino era um homem trabalhador e destemido. Obcecado pelo seu negócio, passava 24 horas do dia pensando nele. Num bairro popular da cidade, ele montou um mercadinho e com o passar dos anos tornou-se referencia no lugar. Todos conheciam o estabelecimento e sua loja ficava lotada pois o povo precisava daquilo que ele oferecia. Seu Severino,  entusiasmado com o volume e com os resultados, queria sempre mais. Como ele vendia produtos populares, sua margem era pequena. Na verdade ele precisava de volume para obter uma boa lucratividade que nunca era medida pois ele não possuía controles para isso. O dinheiro sobrava, sobrava e assim ele crescia e melhorava a vida. O número de funcionários ia crescendo também, porque sempre quando era para fazer alguma tarefa, alguém dizia que precisava de mais gente para trabalhar. O resultado é que o quadro de pessoal crescia sempre. Chegou num ponto que ele nem conhecia mais as pessoas que trabalhavam para ele. Em poucos anos, o supermercado do Seu Severino já estava em 6 locais diferentes e já tinha passado as fronteiras do Estado. Ele estava começando a entrar em outras praças, tudo graças às suas iniciativas e à sua visão comercial. 

Todos os dias, Seu Severino tinha novas idéias sobre o negócio e também pedia muitas coisas para seus colaboradores. Para D.Maria do caixa ele pedia uma conferência no movimento do dia, mas não combinava com o Danúbio que era gerente da loja. Quando o Danúbio pedia que D.Maria apresentasse o movimento do dia, ela dizia que não tinha tido tempo para fazer porque estava fazendo um levantamento para o Seu Severino. Resultado: D.Maria tinha que fazer as duas coisas e nem sempre fazia bem feito. Para o José Meira que era  gerente da outra loja, o Seu Severino pedia uma promoção especial para a venda de maionese. Ele pedia na sexta para que começasse no domingo. O José Meira corria para dar conta, trabalhava o sábado inteiro até de noite, mas não conseguia bons cartazes, nem avisar o pessoal a tempo, nem o carro de som para divulgar no bairro. A promoção era feita no domingo, mas o resto das lojas nem sabia do que estava acontecendo. Não dava tempo de avisar. Para a Merlinda que era do setor de pessoal, ele pedia que fizesse uma reserva de hotel para um convidado que viria visitá-lo. E Seu Severino tinha muitos amigos. Por isso, a conferencia do ponto ficava adiada para quando ela conseguisse instalar os viajantes. Ah, eu já ia me esquecendo. A empresa tinha um departamento de marketing. Seu Severino pedia que eles fizessem um outdoor, pois na noite anterior tinha visto um lindo na rua. O pessoal parava tudo que estava fazendo e atendia Seu Severino. Isso porque, na condição de dono, Seu Severino mesmo pedindo, na verdade mandava. Ele mandava na empresa, apesar de seus 12 gerentes e 5 diretores. Mesmo assim não estava satisfeito, porque achava que as coisas não andavam como ele queria. Queria informações exatas sobre os resultados, queria mais rapidez nas respostas, queria mais vendas, mais lucro. Mas o pessoal que ele contratou para isso, estava ocupado demais apagando fogueiras e atendendo o que ele pedia. 

Ao final do dia, todos tinham trabalhado bastante. Ficavam cansados e muitas vezes esgotados pois tinham que se desdobrar. Porém, não tinham feito exatamente o que era preciso. Se pudéssemos fazer um levantamento do tempo consumido no trabalho e com que tinha sido gasto, alguns passavam quase 70% das horas atendendo Seu Severino. Boa parte da empresa gastava suas horas atendendo-o. Todos gostavam muito dele e não queriam decepcioná-lo. Até bem porque, isso podia representar a perda do emprego e hoje em dia, emprego está difícil. Tão difícil como dizer para Seu Severino que isso não podia continuar e que a solução começava exatamente por ele. Como dizer para alguém que construiu um grande negócio e que ficou rico, que ele precisa mudar ? Que a gestão de um pequeno negócio é diferente de gestão de um grande ? Que um grande negócio precisa de controle, se não se despedaça? Que para ter controle é preciso ter antes de tudo organização ? E que isso começa  com a definição e cumprimento dos papeis de cada um ? E que ele tinha de pedir a coisa certa para a pessoa certa no tempo certo ? O seu Severino provavelmente iria pensar: Ora, eu cheguei até aqui sem isso, quem sabe mais do meu negócio sou eu ! Como mudar o dono da empresa sendo ele exatamente a razão do sucesso desta empresa ?

O pior é que uns trabalhavam demais e outros de menos. Geralmente quem atendia o Seu Severino tinha que fazer várias coisas e nem sempre dava conta. Passavam de incompetentes. O pessoal mais distante por outro lado tinha uma certa moleza. Podiam até conversar durante o expediente, bater papo no MSN e no telefone. Isso porque o pessoal que devia cobrar deles as tarefas, estavam muito ocupados cumprindo tarefas que tinham recebido do seu Severino. Nos corredores dos supermercados existia muita fofoca pois havia tempo suficiente para isso. Havia também muito desperdício. E o cliente apesar de comprar nas lojas do Seu Severino, sentia-se mal atendido. As filas eram imensas nos balcões. Em vez de ser a figura principal, o cliente era menos importante que Seu Severino. A empresa funcionava praticamente para atender o dono e não para atender os clientes dele. O turn over era alto e o faturamento não crescia mais como no começo. 

O cenário estava pronto para a mudança. Pronto para a derrota ou para a vitória. E parece que ele sentia isso. Ou Seu Severino entendia que estava na hora, ou a crise o ensinaria uma grande lição. E as vezes esta lição pode ser fatal. Imagine se um concorrente se instala no mesmo nicho de mercado e consegue dar um bom atendimento ao cliente, pelo mesmo preço com um funcionamento mais organizado ? Os negócios do Seu Severino estariam em sérias dificuldades. As crises ensinam mas podem ser fatais. Isso porque gestão é diferente de propriedade. No começo, a forma de agir de Seu Severino foi suficiente para alavancar o negócio, mas a complexidade aumentou. O negócio continua o mesmo: Vender itens de necessidade para a população carente. Mas a gestão disso tudo tornou-se mais complexa, envolvendo muito mais variáveis, condutas, técnicas e decisões que Seu Severino possa dar conta. Ele sabe muito do seu negócio, mas talvez não saiba o necessário da gestão. Ele queria crescer, ter uma rede nacional de lojas, queria quem sabe ter lojas no estrangeiro, mas sentia que tinha um “peso” que o impedia. E o peso era exatamente a sua querida e própria empresa. A empresa que ele criou.

Se “santo de casa não faz milagre” a saída podia ser contratar uma consultoria. Pagando um boa quantia para ouvir e fazer o que ele podia ter sem esse gasto, seu Severino poderia enfim mudar. Acontece que consultorias também não fazem milagres nem servem de psicoterapia. Poderiam dar treinamentos, elaborar e implantar manuais, implantar indicadores e trazer uma nova cultura, mas um dia teriam de ir embora. E nesse dia, tudo iria voltar a ser o que era. Seu Severino estava diante do maior desafio da vida dele. Mas ele era inteligente. E ainda por cima gostava de música. Isso mesmo ele era apaixonado por música. E um belo dia, foi assistir a uma apresentação da orquestra sinfônica da cidade. Ele ficou maravilhado ! Era tanta harmonia e exatidão, tudo no tempo certo e da maneira certa ! Ficou tão impressionado que começou a imaginar no lugar dos músicos a D.Maria, o Danúbio, a Merlinda, José Meira  e todo seu pessoal. Enquanto ouvia o conserto Brandeburgues de Bach, ele sonhava com sua empresa funcionando como uma orquestra. Foi então que exclamou para a sua esposa:

- A empresa deveria funcionar assim, não é mesmo ?

A sábia esposa  que já estava há anos ao lado do seu Severino, respondeu.

- É verdade, mas olhe bem para os músicos. Cada um tem um instrumento, uma partitura e treinou para fazer o que estão fazendo.  Olhe para o maestro. Ele guia, deixa que os músicos toquem e façam a sua parte. Ora exalta os violinos, ora exalta a percussão. E ouça a música. Ela tem começo, meio e fim.

- Porque você está me dizendo isso ? Por acaso você está me criticando ?

- Não, meu esposo. Eu estou lhe dizendo porque eles conseguem fazer isso.

- Tem razão ! Eu preciso ser um maestro melhor !

A esposa sorriu e respondeu.

- Você não é mais o maestro, Severino. Você é o dono da orquestra. O seu papel é sentar aqui e ouvir a bela música que eles tocam. Você já tem os seus maestros e músicos. Deixe que eles façam o papel deles.
O Seu Severino saiu daquela apresentação diferente. Ele percebeu finalmente que sendo o começo de tudo, por ele também deveria ser também a continuidade de tudo. A empresa precisava se profissionalizar para continuar a crescer e ser um o grupo que ele sempre sonhara. Percebeu que existem muitos supermercados e muitos Severinos, mas somente aqueles que enxergam o que ele enxergou, tem uma chance de continuar. Anos depois, a rede do seu Severino não era  mais conhecida por isso. Mas era a melhor e maior rede de supermercados do País. Eles estavam até se preparando para abrir pontos no Uruguay e na Argentina. Dizem até que estão em entendimentos com os chineses. E todos os domingos, os clientes ouviam uma orquestra tocar na entrada das lojas. Seu Severino era um homem que enxergava longe.

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