AS CONTAS DO DESASTRE
Assim como uma empresa precisa
registrar suas operações numa contabilidade, um país também precisa. Através desse registro,
podemos acompanhar o que está sendo feito, podemos comparar com períodos
anteriores e projetar o futuro. É uma base sólida para referências. No entanto,
o atual governo federal inaugurou há algum tempo o que se passou a chamar de “contabilidade
criativa”, na qual ele altera os critérios destes registros para demonstrar
resultados melhores do que a realidade e esconde alguns pontos que deveriam ser
revelados. É como se alguém embaralhasse as cartas na mesa, deixando todos sem
saber que jogo está sendo jogado, e ainda esconde embaixo da toalha o às de
ouro. Na verdade não existe contabilidade criativa, existe contabilidade
fraudulenta. O que gentilmente a imprensa chama de “alquimia fiscal’, eu
chamaria mesmo de má fé e tentativa de desmando que está sendo cometido com o
dinheiro público. Em entrevista recente
concedida à Miriam Leitão, Gil Castelo Branco, da
organização Contas Abertas, e Mansueto de Almeida, que trabalha no Ipea, dão
uma boa noção do que está acontecendo.
Eles
contam que no primeiro semestre 2013, a despesa cresceu 13% sobre 2012. Gastaram
49 bilhões de reais dos quais somente 333 milhões foram de investimentos. Até
agora, o governo só realizou 27% do investimento previsto de um orçamento que
já foi menor do que o ano passado e do que 2010, por exemplo. O investimento
público está na mesma faixa do que era feito em 2002, enquanto que a carga
tributária saltou de 25% do PIB nos anos 90, para 36% atuais. Além de investir
pouco, o governo tem investido em coisas questionáveis. Conta um deles que o trem bala custará 38
bilhões de reais aos cofres públicos, enquanto que os gastos com saneamento em
10 anos não chegam a 10 bilhões. Os estádios padrão FIFA custaram 7 bilhões e
os gastos com a transposição do São Francisco que pode amenizar a seca no
Nordeste, foram de 4,2 bilhões. Existiriam mais investimentos do capital estrangeiro
se as regras estivessem melhor definidas. Esta incerteza afugenta o capital e
aumenta o seu custo, em função do maior risco. Quando o assunto é investimento,
parece que esse governo aposta suas fichas nas concessões para a iniciativa
privada mas por outro lado, estão concedendo subsídios cujos montantes não se
consegue saber ao certo em função do que estão fazendo com as contas públicas. No
final de 2007, o Tesouro Nacional emprestava para os bancos públicos, principalmente
o BNDES, um total de 14 bilhões de reais. Em 2013, esse número subiu para 438
bilhões. O Tesouro se endivida a um custo de 10%aa, e o BNDES empresta a um
custo de 5%aa. A grosso modo, a diferença multiplicada pelo montante
emprestado, dá praticamente o que é gasto com o bolsa família. Algo que eles estão
chamando de “bolsa empresário”. Essa transferência de recursos é uma maneira de
burlar a Lei de Responsabilidade Fiscal, um dos maiores avanços no assunto. Burlar
e tornar sem efeito, já que estão permitindo o que a lei proíbe: Repasses para
municípios e estados inadimplentes. O
fato é que ninguém mais acredita nos números do governo. O setor privado
nacional e internacional não confiam mais nos números do governo e estão
adotando medidas próprias. O governo mudou os critérios do plano plurianual que
não tem correspondência com os planos anuais. Não se consegue fazer uma relação
clara do que está sendo feito a cada ano. Criaram os planos orçamentários à margem
da lei, e mesmo assim não estão sendo cumpridos.
Em Português mais claro, a situação é a seguinte: De
tudo o que o Brasil produz, o governo aumentou a parte que arrecada, mas este
dinheiro não está servindo para melhorias no país. Sem investimento ele não
cresce nem melhora. O que deveria ser alocado aí, está indo para custear uma
máquina cada vez mais ineficiente, cara e corrupta, exercida pelo próprio
governo e seus aliados. Além disso, este mesmo governo que já gasta para manter
o maior curral eleitoral da história, praticamente comprando os votos que o
mantêm, agora está tirando dinheiro do Tesouro, colocando no BNDES, para que seja
passado para alguns empresários. Não me surpreendo se estes empresários possuírem
sócios no governo e que isso seja uma forma de assaltar os cofres públicos.
Esse dinheiro é pego num preço maior e emprestado num preço menor, e este rombo
que nós pagamos ele faz de tudo para esconder. Não satisfeitos, ainda estão
mandando dinheiro para municípios e estados sem o devido cuidado de receber de
volta, fomentando um grande calote interno, que por sua vez gerará mais
problemas fiscais e orçamentários. Essa é a situação que eles tentam esconder
com a falta de transparência na prestação de contas.
Miriam Leitão é autora do livro A Saga Brasileira
que é uma verdadeira aula de economia brasileira e um importante registro
histórico da grande luta que travamos para construir um país mais estável. Nele
podemos aprender que a falta de controle nos gastos públicos tem papel
preponderante na economia. Nós já vimos este filme e o final não é bom. Ela
favorece o desvio de finalidade, pois só se esconde aquilo que não se deve
mostrar. Muitas crises econômicas tiveram em suas causas, o que estão fazendo
hoje. As crises econômicas torturam a sociedade e geram crises políticas. E
tudo isso junto gera atraso e pobreza. Nós já percebíamos que as coisas não
estavam indo bem, mas entender o mecanismo financeiro faz com que conheçamos a
espinha dorsal do problema. Ela demonstra que estão desconstruindo o Brasil e
encaminhando-o para dias de muito sofrimento. Os dias do desastre.
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