O CAÇADOR DE OCEANOS


Há muitos anos atrás, existia uma pequena cidade à beira de um rio de águas rasas. Nela morava um velho senhor e seu pequeno neto. Eles juntos formavam uma família, e tudo o que tinham era uma ao outro. Preparavam as próprias refeições, consertavam as próprias roupas e juntos passeavam na beira do rio antes da pescaria. O senhor era tudo para o menino, que a ele tudo perguntava. Ele queria saber como os pássaros voavam, porque as folhas eram verdes, quantas nuvens tinham no céu. O senhor atendia as perguntas inquietas do neto, sempre ensinando-lhe conforme seus conhecimentos.

-         Para onde vai esse rio, Vovô ?  Perguntou ele num dia durante a caminhada.

-         Esse rio caminha por muitas terras, corre por muitas curvas e depois desemboca no mar, meu filho. Respondeu o senhor prontamente enquanto olhava para os pés.

-         E o que é o mar ? Retruca logo em seguida o menino.

-         Ah, o mar é a união de todas as águas, azuis e verdes. Ele é repleto de peixes e plantas marinhas de todas as cores. Respondeu o senhor mais uma vez.

-         O mar tem um avô como eu tenho o senhor ?

O senhor riu e respondeu com a paciência de sempre:

-         Não. O mar não tem uma família. Mas a reunião de todos os mares formam o oceano. E o oceano é a coisa mais linda que se pode ver. Ele é imenso, ora sereno ora revolto em sua majestade, e muitos o temem. Dizem até que existem mais oceanos para navegar que terra para pisar. Ele guarda mistérios e tesouros até hoje não descobertos. A força das suas ondas podem levar uma cidade inteira para a ruína.

O menino olhava fixamente o avô, enquanto ouvia. Seus olhos pareciam que brilhavam e seus pensamentos quase que podiam ser ouvidos. De repente ele interrompeu o silêncio e perguntou:

-    Onde eu posso encontrar um oceano, Vovô ?
-    Para que tu queres encontrar um oceano, meu filho ?
-    Para ter um para mim !

O avô ficou surpreso com a justificativa. Jamais seu neto tinha ido tão longe. Ele nunca tinha ouvido nada igual em todas as suas viagens e conversas pelo mundo afora. Deu alguns passos a mais e respondeu.

-    Um dia eu te mostro onde pegar um.

E os dois continuaram a caminhada até a curva do rio, onde os peixes deixam-se fisgar com mais facilidade. Sentaram-se à sombra de uma mangueira e ali pegaram o jantar.

Os dias se passavam sempre calmos e bonitos naquele lugar. Mas o menino crescia em tamanho e inquietação, sempre buscando perguntas e lembrando ao avô a promessa do local onde ele poderia pegar um oceano. Vejam só, onde é que já se viu isso. Pegar um oceano para si. De onde se pode tirar uma idéia dessas. Pensava o avô em silêncio toda vez que seu neto tocava no assunto. Mas os dias passavam, o menino se tornava rapaz e aquela idéia não abandonava os seus sonhos. Até para os amigos ele falava esse projeto. Muitos não entendiam e outros brincavam com a possibilidade. A verdade é que ele estava decidido, estava certo e disposto a encontrar um oceano e trazê-lo para si. Na noite que antecedia o seu aniversário de dezoito anos, foi mais uma vez falar com o avô sobre a promessa, no que recebeu a seguinte resposta.

-    Meu filho, tu não és mais aquela criança que comigo caminhava na beira do rio. Já te fazes homem e em breve desejará mulher e filhos. Tudo que pude te dar foram as minhas respostas, um senso de justiça e moral, uma conduta respeitosa e coragem para obter o que quer. Se ainda desejas ter um oceano eu não vou te negar. Eu vou te dizer o que precisas saber para encontrá-lo. Aqui está estas instruções que escrevi. Amanhã bem cedo, pega as tuas coisas e prepara-te para uma viagem. Segue o que lhe digo em escrita que encontrarás o oceano que queres. Tu poderás trazê-lo contigo numa boa mochila. Não desistas, nem penses em voltar sem ele. Ah, eu ia me esquecendo. Não deixes de contar os dias nesta viagem para que não venhas a perder a noção do tempo.

O rapaz pegou as instruções extasiado. Finalmente o dia chegara. De manhã antes do sol sorrir, ele pegou parte de seus pertences e seguiu o caminho que levava para fora da cidade. Era a primeira vez que ele percorria aquela estrada sozinho. Antes somente com seu avô, ia até onde se pudesse vê-la de longe e de cima, olhavam-na e depois voltavam para casa. Agora ele ia dobrar a ladeira que separava o seu mundo do resto do mundo. Na medida em que seguia, sentia um frio no ventre e os pensamentos mais uma vez tomavam-lhe a mente. Pensava em seu avô, em idade adiantada, podendo não vê-lo mais vivo quando voltasse. Pensava na festa que seus vizinhos podiam fazer com a sua volta gloriosa. Pensava no que iria encontrar e o que teria que fazer para trazer o oceano consigo. Será que haveria luta ? Finalmente ele teria a ação que tanto lhe tentava nos dias tranquilos da cidade onde morava ? Será que ficaria rico ? Poderia vender os tesouros maravilhosos e ter tudo o que quisesse ? Será que tornaria-se poderoso ? Seria temido por todos e de todos gozaria da reverência ? As perguntas como sempre lhe perseguiam o juízo e ele como sempre buscava as respostas. Ao final da primeira hora de caminhada, parou e abriu as instruções de seu avô. Nas linhas trêmulas e mau escritas, estavam as indicações de um lugar distante no qual ele iria encontrar o oceano. Ele guardou o precioso papel e continuou a sua peregrinação. Marcava os dias riscando um cajado que improvisara no caminho. Subiu montanhas e atravessou outras cidades. Dormiu ao relento e passou fome. Tocou o rosto e sentiu a barba que surgia denunciando a idade. Vislumbrou os vales e bebeu das águas mais frescas. Mas não mais marcou o passar dos dias em seu cajado e assim perdeu a noção de quanto tempo havia caminhado. Podiam ser semanas ou meses. Talvez até anos. A verdade é que num papel surrado e sujo, quase em pedaços, estava a indicação de onde estava o oceano que seria dele, e o local não estava longe. Nunca esteve.

O caçador de oceanos, andou durante toda a noite motivado pela proximidade do seu objetivo. No alvorecer, os pardais faziam algazarra nas árvores quando ele finalmente chegou ao local. Exausto e envelhecido ele avistou um pequeno vale, onde estava uma árvore imensa cujos galhos espalhavam-se ao redor. Ele então lembrou dos rios que desembocavam no mar e dos mares que formavam oceanos, mas não avistou nenhum deles. Buscou o azul das águas tão descrito pelo avô e só viu o verde cintilante das folhas ao sol. Quase em desespero, conferiu no papel o último passo e o realizou em ritmo frenético. Correu até a árvore, desenterrou um embrulho feito de couro de cabra e amarrado com cipó, e o abriu. O que ele viu não foi entendido pelos olhos. Uma pedra redonda, quase bola, de cor amarelada, reluzindo e correndo no declive das suas mãos. Sem se sentir traído, tamanha era a confiança em quem lhe criou, desejou falar com seu avô. Por um momento desejou ser como o vento para percorrer toda a distância que os separavam, e ficar a seus pés e obter as respostas que lhe faltavam. Mas ele não era o vento, e assim teve que voltar de onde tinha partido da mesma forma que veio.

Àquela volta não era mais curta do que a ida. Ao contrário, era longa e penosa. Doloridos eram os seus pés e a sua consciência. Não se sabe quanto tempo levou esse retorno pois já na ida ele tinha perdido a contagem do tempo e aquilo poderia levar dias, meses. Talvez anos. Foram os mais longos períodos da sua vida. E desta vez ele não caminhava só. Acompanhava-o sempre, em todos lugares da volta, o desespero de não poder mais obter as respostas que tanto lhe esclareciam. O seu peso era muito maior que a bagagem. Suas costas doíam e curvavam-se, e seus dedos já traziam as feridas de quem muito andou. O ar chagava a faltar-lhe nos pulmões.

E como que no mesmo passo, ele avistou de longe em baixo, a cidadezinha de onde havia partido. E de lá avistou a casa de seu avô. Correu até lá ofegante e pode ver aquele que pescava o próprio jantar, sentado numa cadeira na calçada. Ele estava bem velhinho mas não parecia que estava mau cuidado. Ao aproximar-se dele, o caçador jogou-se a seus pés, abraçou-lhe os tornozelos e chorou. O velho lhe ergueu a cabeça para fintar-lhe o rosto, mas o caçador impetuosamente falou enquanto desenrolava o que trouxe na mochila.

-     Eu falhei meu avô. Eu andei por muitos lugares e dormi em muitas calçadas. Segui as suas instruções e de tão cansado e persistente não sei quanto tempo passei nesta procura. Mas não trouxe o oceano em minha mochila. Trouxe somente esta pequena pedra, a qual parece que esperava por mim.

O velho sorriu levemente e respondeu.

-     Meu filho,  o que encontrastes foi mesmo guardada para ser descoberta por ti. O que trouxestes não é uma pedra qualquer. Ela é uma pérola e as pérolas são forjadas dentro das ostras no fundo das águas salgadas. As pérolas são feitas de areia e água do mar, embaladas pela seda do ventre daquele animal tão pequeno, simples e feio.  Mas somente ele é capaz de fazê-la tão explendorosa e perfeita como é. Ninguém jamais poderá pegar um oceano para si e trazê-lo numa mochila. Mas aquele que trouxer uma pérola consigo, trará também o oceano inteira com ele.

O caçador olhou os olhos do velho avô, que como pérolas, brilhavam emocionados pela volta do neto, e o abraçou fortemente. Na manhã seguinte, os dois foram vistos pescando na curva do rio, bem debaixo de uma mangueira.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

PROBLEMAS SISTÊMICOS PEDEM SOLUÇÕES ESTRUTURADAS

O QUE É A PATOCRACIA

QUEM CARREGA O PIANO ?